sexta-feira, 12 de abril de 2013

UM COMPARSA DA DITADURA NA CBF



É intolerável ver Marin na abertura da Copa, diz filho de Herzog


Em entrevista à 'Carta Maior', Ivo Herzog traça paralelos entre o João Havelange, ex-presidente da FIFA, que passeava entre repressores, e o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, ao qual imputa vínculos com o assassinato de “Vlado”, o editor da TV Cultura executado nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP). A reportagem é de Dario Pignotti.


Há fotos que mancham com um simples olhar. Uma delas mostra João Havelange junto ao ditador Jorge Rafael Videla e ao almirante Massera, os três vestindo solenes trajes listrados, na abertura da Copa do Mundo de 1978 disputada no estádio Monumental de Buenos Aires, a poucas quadras da ESMA, a maior prisão clandestina do regime onde morreram 5 mil prisioneiros, entre eles o pianista brasileiro Francisco Tenorio Cerqueira Júnior, sequestrado horas depois de tocar junto com Vinicius de Moraes em um teatro portenho.

Quando se observa com mais cuidado aquela foto do inverno de 78 se vê o chefe do campo de concentração da ESMA, Massera, e o “capo” da FIFA, João Havelange, um ex-nadador olímpico de porte atlético, como se fossem dois pavões reais arrogantes, com seus peitos inchados e o ar marcial.

As vidas de Havelange e Massera seguiram rumos paralelos. O brasileiro acumulou milhões dólares graças aos subornos cobrados de uma empresa de marketing desportivo, como provou a justiça suíça, e possivelmente ao envolvimento com o tráfico de armas, um negócio ao qual o genocida argentino também se dedicou.

Durante uma entrevista com Ivo Herzog, falamos sobre essa velha imagem em preto e branco que retrata o obsceno vínculo que os donos do futebol mantiveram com as ditaduras sul-americanas. Seu pai, Vladimir Herzog, foi assassinado pela ditadura em outubro de 1975, um ano depois de Havelange ter tomado as rédeas da FIFA, as quais não soltou até 1998.

Ivo Herzog traça paralelos entre aquele Havelange, que passeava entre repressores, e o atual presidente da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), José Maria Marin, ao qual imputa vínculos com o assassinato de “Vlado”, o editor da TV Cultura executado nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (DOPS-SP).

O passado de Marin é equiparável ao de Havelange?

Pode ser pior. Creio que Havelange deveria ser investigado pela Comissão da Verdade criada pela presidenta Dilma (Rousseff), mas não conheço tanto sua história para falar muito dela. Mas posso, sim, falar dessa pessoa chamada Marín, a quem não posso chamar de senhor.

Essa foto do mundial de 78 é terrível porque é a imagem de um passado monstruoso que pode voltar a acontecer. Digo isso porque poderemos ter uma foto parecida se Marin seguir sendo o presidente do Comitê Organizador de nossa Copa do Mundo (COL) e for o anfitrião da cerimônia. Você imagina o que seria ter um homem da ditadura em nossa Copa da democracia?

Seria intolerável que Marin estivesse neste ato que será visto por milhões de pessoas em todo o mundo. Por isso lançamos o manifesto “Fora Marin” que vem tendo uma receptividade surpreendente.

A primeira coisa que queremos é que Marin vá embora do COL, que é uma entidade que recebe dinheiro e apoio do governo. Depois queremos que ele saia da CBF, mas isso é mais difícil porque é uma entidade privada que diz publicamente que não se interessa pelo passado de seu presidente. Eu diria ao senhor Joseph Blatter (titular da FIFA) que não se preste ao jogo de Marin. 

Se Blatter pressionou para que Ricardo Teixeira saísse do COL no ano passado, por corrupção, agora teria que fazer o mesmo em relação a José María Marin pelo crime de lesa humanidade, propõe Ivo Herzog.

O abaixo-assinado de Herzog “Fora Marin”, recolheu 60 mil assinaturas em poucas semanas, conquistando o apoio de personalidades como Chico Buarque e o ex-atacante Romário que desde seu mandato na Câmara de Deputados propôs que o Congresso revise o passado político do chefe do futebol brasileiro.

O engenheiro naval Ivo Herzog nasceu há 46 anos no exílio londrino ao qual seu pai havia sido empurrado em função de uma longa militância comunista. Anos mais tarde, Vladimir Herzog decidiu deixar seu cargo na BBC e retornar a São Paulo onde assumiu como editor da TV Cultura.

Na metade da década de 70, o regime planejava uma transição lentíssima rumo à democracia e se disfarçava de “ditabranda” autorizando a existência de um poder legislativo composto por civis comandados desde os quarteis como José Maria Marin. O hoje chefe do futebol brasileiro chegou a ser governador de São Paulo, em recompensa por sua lealdade aos generais e sua proximidade com a polícia política, o DOPS, que assassinou Vladimir Herzog em outubro de 1975. O chefe do DOPS então era Sergio Paranhos Fleury, possivelmente o repressor mais famoso do Brasil e um dos pioneiros do que terminou sendo a Operação Condor. Em dezembro de 1973, o delegado participou em Buenos Aires, junto com repressores argentinos, do sequestro e posterior desaparição dos brasileiros exilados Joaquim Pires Cerveira e João Batista Rita, segundo denúncias apresentadas por familiares das vítimas.

Você diria que Marin foi cúmplice do assassinato de seu pai?

Creio que é possível usar a palavra “cúmplice”, sim. Em outubro de 1975, poucos dias antes de meu pai ser preso, Marin fez um chamado à repressão dos opositores. Foi uma convocação feita em um discurso público e, em 1976, quando já havia passado um ano do crime, fez outro discurso cheio de elogios a Fleury, chefe da repressão.

Vou citar textualmente uma parte do que ele disse: “Queremos dar nossas melhores felicitações a um homem que vem prestando relevantes serviços à comunidade...queremos dizer o orgulho que sentimos por contar com um comissário como Sergio Paranhos Fleury”. Isso quer dizer que sua identificação com a repressão era descarada e qualquer um pode encontrá-la se pesquisar jornais ou artigos legislativos, diz Herzog.

Ivo Herzog não tem muitas ilusões sobre o destino jurídico de Marin beneficiado pela Lei de Anistia promulgada pelo ditador João Batista Figueiredo, ao ver que a ditadura começava a enfraquecer e era preciso garantir a impunidade. Por outro lado, ele confia em Dilma Rousseff e na sua disposição política para que Marin não figure, daqui a 15 meses, na foto da festa inaugural da Copa do Mundo.

Presa e torturada ela também em São Paulo na década de 70, a então guerrilheira “Wanda” não deixou dúvidas sobre seu desprezo ao dirigente.

– É evidente que a presidenta evita encontros com Marin. Isso pode desgastá-lo.

“Dilma sabe o que Marin fez e minha família valoriza a atitude muito positiva que ela vem tendo em relação a ele. Ela tem o evitado o quanto pode e se mostra muito digna ao demonstrar sua distância em relação a uma figura desse peso. Hoje temos como presidenta uma pessoa que entende perfeitamente o que aconteceu durante a repressão e isso é algo que, indiscutivelmente, tem um peso político”.

Dilma olha para Marin com os mesmos olhos de desgosto com que observava Teixeira. Ela quer sua saída?

Nunca falei deste tem com a presidenta, mas qualquer um percebe que Marin não lhe agrada. Realmente não sei se ela está usando sua influência para retirá-lo do COL, mas é evidente que, para Marin, não é muito cômodo que todo mundo saiba que ele não tem um respaldo total da presidenta.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

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