sábado, 15 de setembro de 2012

O DESCASO DA ADMINISTRAÇÃO KASSAB

Sem creche no Jardim Gaivotas, mãe não consegue começar a trabalhar - Fotos: Danilo Ramos/ RBA

São Paulo não consegue sequer identificar a real demanda para creches

Apenas 26,8% das crianças de 0 a 3 anos têm acesso a educação infantil no município de São Paulo, sendo que 70% delas estão em instituições conveniadas.

Jandina de Sá, de 17 anos, caminha com o filho de um ano e cinco meses pelo bairro Jardim Gaivotas, extremo sul da cidade de São Paulo. Está apressada. Todos os dias ela faz a pé quatro caminhadas de 40 minutos, com o bebê nos braços, para levá-lo e buscá-lo na creche, instalada no bairro Jardim Cocaia, vizinho ao Gaivotas, que ainda não possuí uma instituição pública de educação infantil.
Assim, sobra pouco tempo, inclusive para arrumar um trabalho, principal objetivo de Jandina quando decidiu matricular o filho. “O fato de não ter creche no bairro faz muita diferença. Ele sai às 16h20 e só chegamos às 17h. Venho com ele na rua na chuva ou no sol”, conta.
Sua outra opção era fazer como a auxiliar de limpeza Jaciara Barbosa, que paga R$ 70 mensais para uma empresa privada de transporte escolar levar e buscar a filha de 2 anos em uma creche, também no Cocaia, numa vaga conquistada depois de um ano de espera. “Aperta o orçamento?”. “Ô! Faz muita diferença. Você vai ver um serviço e o salário é R$ 500. Como vai pagar perua?”.
Com a falta de creches e a grande demanda – já que dos 24.706 habitantes do Jardim Gaivotas, 4 mil são crianças – empresários abriram três escolas particulares de educação infantil no bairro, que custam entre R$ 150 e R$ 200 por mês. Os mesmos valores cobram as mulheres autônomas para olhar crianças, como Josefina Chagas, que há oito meses cuida diariamente de uma menina de três anos. “Sei que para mãe dela o valor é alto porque ela ainda paga aluguel, mas não tem creche. Comigo a menina só fica em casa vendo TV e não tem contato com outras crianças”. 

A situação pode mudar no começo de outubro, quando o bairro deve receber sua primeira escola de educação infantil, fruto de mobilização da comunidade. Em um terreno ainda coberto de entulho, será instalada a creche Criança Feliz. Conveniada à prefeitura, a creche vai se mudar do vizinho Cocaia – que já possui outras instituições funcionando no mesmo esquema – para o Gaivotas. Num primeiro momento, a instituição deve atender apenas 115 bebês.
O Plano Diretor do Município de São Paulo, que neste mês completa 10 anos, já previa na época de sua elaboração “ampliar atendimento a crianças de 0 a 3 anos de idade em CEIs – Centros de Educação Infantil das administrações direta e conveniada”.
Ainda assim, apenas 26,8% dos bebês paulistanos estão matriculados em creches, de acordo com dados do Censo Escolar. Até junho, 145.221 crianças de zero a três anos esperavam por uma vaga em creche em São Paulo, segundo levantamento da Secretaria Municipal de Educação.
Devido a dificuldade de atender a demanda, o Ministério Público do Estado de São Paulo está responsabilizando judicialmente o prefeito Gilberto Kassab (PSD) por não disponibilizar vagas suficientes em creches. O promotor que acompanha a ação, João Paulo Faustinoni, explica que o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhece o direito à educação infantil. “A ação contra o prefeito é de improbidade administrativa. Nossa argumentação se baseia no descumprimento do princípio de eficiência administrativa, que é constitucional”.
A coordenadora da organização não-governamental Ação Educativa, Denise Carreira, diz que o número de crianças sem creches é maior que o divulgado pela prefeitura. “Essa é a demanda registrada, mas com certeza a real é muito maior. Além disso, no atendimento da educação infantil, sobretudo de 0 a 3 anos, quase 70% das vagas são oferecias por meio de convênios. O investimento direto foi pequeno”.
A prefeitura de São Paulo confirma, via assessoria de imprensa, que a demanda por vagas em creches é contabilizada apenas pelo número de pais ou responsáveis que  procuram vagas, por meio de um Cadastro no Sistema Informatizado.
Demanda não computada
A dificuldade de levantar o real déficit de vagas em creches já devia ter sido superada se a cidade tivesse elaborado e aplicado “um censo educacional da Cidade com o objetivo de detectar as reais demandas existentes”, como previa o Plano Diretor, elaborado em 2002. “Com um diagnóstico das necessidades da população é possível oferecer serviços melhores”, avalia a coordenadora do grupo de trabalho de educação da Rede Nossa São Paulo, Ananda Grinkraut.
“Um censo seria muito importante para ampliar o acesso porque a demanda cadastrada não corresponde a real, tanto para as creches quanto para o EJA [Educação de Jovens e Adultos]”, afirma a Ananda. “Aí a gente acaba tendo um circulo vicioso no EJA porque a prefeitura diz que não há demanda, mas se não realiza campanhas para incentivar o retorno a escola ele não acontece de maneira espontânea”.
Apesar do Plano Diretor apontar que é preciso “promover ampla mobilização para superação do analfabetismo”, “ampliar a oferta de vagas” na EJA e “promover esforços para ampliação de cursos no período noturno” o número de alunos matriculados na Educação de Jovens e Adultos diminuiu nos dez anos de vigência do documento - caindo de 199.241 em 2002 para 137.725 em 2012, de acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A cidade ainda possuí 283.472 analfabetos, segundo o Censo de 2010. São Paulo e sua região metropolitana somam 4.131.000 de pessoas sem instrução ou com até 4 anos de estudo, mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2009, último levantamento sobre o tema.
No Jardim Gaivotas, as salas de aula de EJA correm o risco de integrarem, em breve, os números de turmas fechadas pela prefeitura. Com a ameaça em vista, os alunos estão organizando um abaixo assinado para impedir o fechamento das turmas na Escola Estadual Loteamento das Gaivotas II, endereçado ao dirigente regional de ensino, Samuel Alves dos Santos. Eles reivindicam que a Secretaria de Educação “permita a permanência do nosso ensino de EJA, pois é onde podemos ter uma segunda chance de recuperar nossos estudos”, de acordo com o enunciado do documento.
Além dessa escola voltada para alunos entre a  de 5ª e a 8ª série, existem mais duas instituições de ensino estaduais no bairro: a E.E. Loteamento das Gaivotas I, de 1ª a 4ª série e a E.E. Loteamento das Gaivotas III, para o ensino médio. As unidades ainda são de lata e, sem estrutura adequada de saneamento básica, despejam esgoto na encosta do barranco onde estão instaladas. Não há instituições de ensino municipais no bairro.
A Secretaria de Educação do Estado de São Paulo informou, via assessoria de imprensa, que as turmas de EJA devem ser mantidas até o final deste ano e, dependendo da demanda,  podem ser unificadas com as turmas da EE Loteamento das Gaivotas III.

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