quinta-feira, 8 de março de 2012

AS ORIGENS E A COMEMORAÇÃO DO DIA INTERNACIONAL DA MULHER



Recuperar o histórico do Dia Internacional das Mulheres como parte da luta social, como inegável ponto de intersecção entre a luta das trabalhadoras, do movimento socialista e da luta feminista, evidencia o caráter político dessa comemoração e ao  mesmo tempo, retoma historicamente o esforço das militantes socialistas em construir uma dinâmica de organização e luta específica das mulheres. A história evidencia a resistência  – e mesmo o rechaço – de setores do movimento socialista à perspectiva de organização das mulheres, alicerçada na recorrente incompreensão do direito das mulheres à igualdade no mundo público (ao trabalho e à participação política), contrastando com a realidade da sua presença no trabalho agrícola e no proletariado industrial. Já fortemente marcado pela divisão sexual do trabalho. Em diversos setores, a mão de obra feminina era mesmo majoritária. Difícil seria pensar na organização da luta revolucionária sem a participação das trabalhadoras.

No entanto, duas lógicas aparentemente contraditórias se complementam – o impulso para a presença das mulheres no mercado de trabalho e o reforço do seu lugar na família. A exploração capitalista não destrói a estrutura familiar, como inicialmente imaginaram os pensadores marxistas. E o movimento sindical predominantemente masculino, apoiou e reforçou o papel da família operária e o lugar ideal das mulheres como donas de casa e mães de família. A contradição entre reivindicações de melhoria nas condições de trabalho muitas vezes se apoiou na restrição aos direitos das mulheres ao trabalho, alimentando uma lógica de organização do mercado de trabalho, legitimada durante décadas, que considerava “natural” a demissão de mulheres ao se casarem, ou a existência de profissões consideradas “adequadas” ao padrão de feminilidade imposto. São alguns mecanismos de controle da exploração dos trabalhadores em seu conjunto, e das mulheres em particular, que favorecem os trabalhadores do sexo  masculino reforçando a desigualdade entre mulheres e homens.

Após sua aprovação na Segunda Conferência de Mulheres Socialistas em 1910, inspirada no Woman’s Day (Dia da Mulher) organizado pelas socialistas dos Estados Unidos, as comemorações de um dia internacional das mulheres organizadas pelas militantes socialissta ocorrem em dias diferentes a cada ano nos distintos países. O livro nos relata a história dessas comemorações, orientadas prioritariamente para reivindicação do direito de voto, sem a definição de um dia específico para sua realização entre os anos 1911 e 1920. Foram as manifestações das mulheres na Rússia, no dia 8 de março de 1917 (23 de fevereiro segundo o antigo calendário russo) que motivaram a escolha do dia 8 de março como data comum para comemoração do Dia Internacional das Mulheres, alguns anos depois. A confluência das comemorações do Dia Internacional das Mulheres com a greve das operárias têxteis e a revolta das mulheres com a escassez de alimentos foi o estopim da Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia. O tento de 1920 de Kollontai, publicado neste livro, descreve a mobilização das mulheres:

Em 1917, no dia 8 de março (23 de fevereiro), no Dia das Mulheres Trabalhadoras, elas saíram corajosamente às ruas de Petrogrado. As mulheres – algumas eram trabalhadoras, outras mulheres de soldados –reivindicaram “Pão para nossos filhos” e “Retorno dos nossos maridos das trincheiras”. Nesse momento decisivo, o protesto das mulheres trabalhadoras era tão ameaçador que mesmo as forças de seguranças tzaristas não ousaram tomar as medidas usuais contra as rebeldes e observavam atônitas o mar turbulento da ira do povo. O Dia das Mulheres Trabalhadoras de 1917 tornou-se memorável na história. Nesse dia as mulheres russas ergueram a tocha da revolução proletária e incendiaram todo o mundo. A revolução de fevereiro se iniciou a partir desse dia.

Da mesma forma Trotski relata o início da revolução em A história da Revolução russa (Capítulo 7), enfatizando que as mobilizações das mulheres passaram por cima do receio das direções partidárias que consideravam que as condições para um movimento grevista não estavam dadas:

O dia 23 de fevereiro era o Dia Internacional da Mulher. Os círculos social-democrata tencionavam festejá-lo segundo as normas tradicionais: reuniões, discursos, manifestos. Na véspera ainda ninguém poderia supor que o dia da Mulher pudesse inaugurar a Revolução. Nenhuma organização preconizara greves para aquele dia (...) Tal foi a linha de conduta preconizada pelo Comitê, nas vésperas do dia 23, e parecia ter sido aceita por todos. No dia seguinte, pela manhã, apesar de todas as determinações, as operárias têxteis de diversas fábricas abandonaram o trabalho e enviaram delegadas aos metalúrgicos, solicitando-lhes que apoiassem a greve. Foi “contra a vontade”, escreve Kayurov, que os bolcheviques entraram na greve, secundados pelos mencheviques e socialistas-revolucionários. Vistos tratar-se de uma greve de massas, não havia outro remédio senão fazer com que todos descessem à ruae tomar a frente do movimento (...) ninguém, absolutamente ninguém –podemos afirmar categoricamente baseando-se em todos os documentos consultados – supunha que o dia 23 de fevereiro marcaria o início de um assalto decisivo contra o absolutismo.

A mobilização das mulheres respondia a mais de uma motivação. E detonava a insatisfação exacerbada pelo longo período de opressão e guerra. Como já mencionara Kollontai, para a mobilização das mulheres nas ruas confluíram as grevistas do setor têxtil, as imensas filas para a distribuição de pão, as mulheres familiares dos soldados do exército – chamadas de soldatiki – explodindo uma revolta acumulada contra a repressão do regime tzarista intensificada pela guerra. A revolta se estendeu por vários dias, ganhando, cada vez mais um caráter de greve geral e de luta política. O relato de Trotski pontua com detalhes a iniciativa das mulheres:

É evidente pois que a Revolução de Fevereiro foi iniciada pelos elementos de base, que ultrapassaram a resistências de suas próprias organizações revolucionárias, e que esta iniciativa foi tomada espontaneamente pela camada proletária mais explorada e oprimida que as demais – as operárias da indústria têxtil, entre as quais, deve-se supor, estavam incluídas numerosas mulheres de soldados. O impulso decisivo originou-se das intermináveis esperas nas portas das padarias. O número de grevistas, mulheres e homens, orçou, neste dia, por volta de 90 mil. (...) Uma multidão de mulheres, nem todas operárias, dirigiu-se à Duma Municipal, pedindo pão. Era o mesmo que pedir água a uma pedra. Em outras partes da cidade foram desfraldadas bandeiras vermelhas cujas inscrições atestavam que os trabalhadores exigiam pão, mas que também não queriam mais a autocracia nem a guerra. O Dia da Mulher foi bem sucedido, cheio de entusiasmo e sem vítimas. Anoitecera e nada revelava ainda o que esse dia trazia em suas entranhas.

Foi para relembrar a ação das mulheres na história da Revolução Russa que o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorada de forma unificada no dia 8 de março. A decisão de unificação da data foi tomada na Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o Congresso da Terceira Internacional, realizado em Moscou, em 1921. Parte dessa história, entretanto, ficou esquecida durante vários anos. (...)
Quando novamente ganharam fôlego as comemorações, após os anos 1960, muitas versões se contaram, se confundiram, se criaram e os acontecimentos e motivações que deram origem ao Dia Internacional das Mulheres, ao 8 de Março ficaram submersos. Quantas de nós já não ouvimos, e repetimos, que a origem do 8 de Março está vinculada a um incêndio que causou a morte de uma centena de operárias...! Um incêndio que de fato existiu, acontecimento trágico e marcante nos Estados Unidos, mas cuja história se vincula à proposição de um dia de luta das mulheres e, tampouco, à definição da data de sua comemoração. (...)

Ao se completar um século desde que as mulheres socialistas reunidas em Copenhague aprovaram a proposta do Dia internacional da Mulheres, a recuperação histórica do significado dessa data é uma contribuição importante para a reflexão sobre o que é constitutivo na luta feminista: a afirmação, cada vez mais, da autonomia e soberania das mulheres e de que a igualdade entre os sexos tem que ser parte fundamental de todos os processos de transformação. Esse é o lugar do 8 de Março na longa jornada das mulheres: reafirmar que sem socialismo não há feminismo, sem feminismo não há socialismo.
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Fonte: As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres de Ana Isabel Álvares González. 1ª ed. São Paulo: Expressão Popular: SOF – Sempreviva Organização Feminista, 2010.

Texto extraído de parte da apresentação do livro por Nalu Faria, Coordenadora do SOF – Sempreviva Organização Feminista

Pesquisa: Ana Paula Perciano 

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