Nove mil moradores foram expulsos e 30 quarteirões ficaram destruídos
pela fúria de 2 mil agentes públicos (Foto: Danilo Ramos)
pela fúria de 2 mil agentes públicos (Foto: Danilo Ramos)
São José dos Campos – O caso do Pinheirinho, em São José dos Campos, teve repercussão mundial pela violência de policiais militares e guardas civis metropolitanos na reintegração de posse do dia 22 de janeiro deste ano. Aproximadamente 9 mil moradores foram expulsos e 30 quarteirões daquilo que já havia se tornado um bairro ficaram destruídos pela fúria de 2 mil agentes públicos de Estado e prefeitura.
No entanto, os problemas não se restringem à truculência policial. Foram diversos os atropelos às normas jurídicas nacionais e internacionais, o que deixa muitas questões a serem tratadas, como a responsabilização de todos os envolvidos na barbárie.
No entanto, os problemas não se restringem à truculência policial. Foram diversos os atropelos às normas jurídicas nacionais e internacionais, o que deixa muitas questões a serem tratadas, como a responsabilização de todos os envolvidos na barbárie.
Na última matéria da série especial para a Rede Brasil Atual, o defensor público de São José dos Campos Jairo Salvador fala das ações para condenar os responsáveis, da investigação pela morte de um morador, avalia que o comandante da operação deveria ter recebido voz de prisão e que um juiz de exceção comandou a desocupação, além de descrever a gravidade do impedimento ao trabalho da Defensoria.
Como estão as ações da Defensoria no caso do Pinheirinho?
Temos instruídas 580 ações individuais de famílias que tiveram prejuízos materiais e morais. Estamos preparando uma ação civil pública pelos danos urbanísticos causados à cidade, contra o poder público, e mais uma para questionar a desocupação. Esses três tipos serão encaminhados à Justiça Estadual. Outra vertente são as ações internacionais.
Sobre a ação por dano urbanístico, como se dará exatamente?
É o Núcleo de Habitação e Urbanismo da Defensoria que está instruindo. São quatro defensores trabalhando numa ação que mostra que a cidade foi afetada, as pessoas foram diretamente prejudicadas. Também tem o destino delas, pra onde foram os ex-moradores? O tamanho do dano urbanístico quando milhares de pessoas ficam sem moradia é enorme. Pedimos indenização e condenação dos responsáveis, estado e prefeitura.
E quais os dados encontrados para basear a ação?
Temos alguns, tais como o gasto com transporte, com as pulseiras que identificavam os ex-moradores nos alojamentos, a dinâmica da desocupação, entre outros. Mas ainda necessitamos de alguns dados do estado. Essas informações já foram requisitadas. Estamos trabalhando para finalizar o trabalho de instrução.
E as ações internacionais?
Na semana passada, houve uma visita da Raquel Rolnik (relatora especial da ONU para questão de Habitação e Urbanismo no Brasil) a São José. Podemos entrar na Corte Interamericana da OEA (Organização dos Estados Americanos) ou no Tribunal Penal Internacional, talvez nos dois, com ações pedindo a condenação das partes que violaram direitos. Estamos programando uma atividade para outubro, mas ainda não podemos divulgar.
Há algo no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), não?
Foi uma decisão tomada por um grupo de juristas, liderados pelo Fabio Konder Comparato. Formularam uma denúncia ao CNJ sobre o comportamento dos magistrados envolvidos no evento.
E o senhor, como avalia o comportamento da Justiça?
Houve muitos equívocos, decisões estranhas, isso já é sabido. O que ficou muito marcado foi a posição da juíza Márcia Loureiro, que manteve a decisão, mas não cumpriu ritos processuais básicos, isso foi muito repercutido, mas não foi o mais grave.
O que foi mais grave?
Algumas coisas foram. Havia um juiz federal que estava com a possibilidade de mudar o rumo das coisas, já que a Justiça Federal havia expedido liminar contra a reintegração. Ele foi muito cauteloso. Deveria ter mandado prender o comandante da Polícia Militar na operação (coronel Messias Mello), poderia ter enviado policiais federais para dar voz de prisão a ele e não o fez. Não prender o comandante deu mais força para a situação ocorrer do jeito que ocorreu.
E a atuação do juiz estadual Rodrigo Capez, que estava presente na operação?
Ele estava representando o Tribunal de Justiça, mas sem nenhum ato publicado indicando auxílio à juíza natural do caso (Márcia Loureiro). Então, é um juiz de exceção. Eu nunca vi isso acontecer. É o tempo da ditadura, você escolhe o caso e manda o juiz. É um arbítrio contra qualquer norma do direito no mundo.
Sobre os feridos na operação, o sr. Ivo Teles morreu (em Ilhéus, Bahia). Como a Defensoria age nesse caso?
Na esfera cível será proposta ação indenizatória em face do Estado. Na órbita criminal, conseguimos testemunhas presenciais que o viram ser espancado por policiais, relatando que sofreu vários golpes na cabeça. A filha do senhor Ivo mora em Ilhéus e está colaborando no fornecimento de informações. Estamos em contato com a Defensoria Pública da Bahia para que possamos esclarecer o caso e instruir as medidas, já que ela mora lá.
É possível afirmar o Estado como responsável pelo assassinato dele?
A partir da análise da documentação que está nas mãos da filha dele, prontuário médico e depoimento de testemunhas, havendo confirmação do nexo causal, direto ou indireto, o estado será responsabilizado pela morte. Ainda é cedo para sabermos se a causa da morte foi o espancamento ou se o espancamento causou ou contribuiu de alguma maneira para o AVC e a consequente morte.
De toda maneira, a forma como se realizou a desocupação colocou em periclitação a vida e a saúde de milhares de pessoas de forma absolutamente desnecessária. Não resta dúvida de que o Estado pode ser responsabilizado, pois ao atirar balas de borracha e bombas químicas a esmo, assumiu o risco de provocar reações imprevisíveis em pessoas debilitadas de saúde, sem mencionar que muitos tiveram o acesso aos medicamentos de uso contínuo suspenso por alguns dias, em razão da maneira violenta e insidiosa como foi feita a desocupação.
Todo esse trabalho da Defensoria sofre com obstáculos?
Estamos trabalhando. Já sofremos com obstáculos. O mais grave que ocorreu na operação policial do ponto de vista jurídico é que nós (Defensoria e advogados) fomos impedidos de acompanhar o cumprimento da ordem. É outro indício dos tempos de arbítrio, gente que tem o direito constitucional foi impedida de atuar. A Defensoria é isso, pega a miséria da humanidade. É aquela última porta. Depois disso, é a barbárie, justiça com as próprias mãos. Temos a função de auxiliar aquelas pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.