A construção do imaginário conservador na cidade de São Paulo tem um ponto de partida bastante nítido. A mesma modernização que produz o progresso e o crescimento da metrópole é responsável pela sensação de caos urbano e de claustrofobia social. Nesse cenário ambíguo o senso comum conservador tende a tratar os problemas da cidade como uma questão demográfica, estimulando a fobia sobre o outro e a insegurança sobre si. O artigo é de William Nozaki.
William Nozaki (*)
Raízes do conservadorismo
O estado de São Paulo segue sendo governado pelo mesmo partido político há quase duas décadas. O PSDB de Mário Covas, José Serra, Geraldo Alckmin e seus correligionários foi responsável por transformar o estado em um pólo de resistência e difusão do liberal-conservadorismo. Mais ainda, se se considerar os governos que precederam o tucanato – Montoro, Quércia e Fleury – pode-se verificar que desde a redemocratização São Paulo nunca experimentou um projeto de governo alternativo, que fosse capaz de questionar os pilares do liberalismo econômico, do conservadorismo moral e do individualismo supostamente empreendedor.
Na cidade de São Paulo, apesar de duas experiências locais de esquerda, com Luiza Erundina e Marta Suplicy, o quadro é parecido, a predominância tem sido também de governos mais conservadores e orientados à direita do espectro político, daí a existência de fenômenos como o janismo, o malufismo, culminando mais recentemente no condomínio demo-tucano comungado pela dupla Serra-Kassab. Sendo assim, ao longo das últimas décadas o que se observa é, por assim dizer, uma espécie de hegemonia do senso comum conservador paulista.
Diante desse cenário o eterno-retorno de uma pergunta “paulistocêntrica” impõe-se: por que o estado mais rico da federação e a cidade mais moderna do país manifestam nas urnas, sistematicamente, uma opinião política conservadora? A resposta não é simples. No município de São Paulo, por exemplo, há uma clara polarização entre o PSDB, que agrega ao seu redor um eleitorado de maior renda e escolaridade, e o PT que arregimenta a preferência de eleitores, comparativamente, de menor renda e escolaridade.
Na ausência de um bloco claramente dominante, a vitória fica a cargo de quem melhor consegue captar a simpatia e o voto do eleitor de opinião “média”. Esse equilíbrio de forças faz com que a disputa eleitoral convirja para o centro, exatamente onde se encontra um conjunto de pessoas cuja condição econômica é superior ao nível de instrução. Ou seja, onde o sucesso econômico não acompanhou o interesse intelectual, incluindo-se: os novos ricos, pequenos e médios empresários, parte da tradicional classe média além de alguns setores em ascensão das camadas populares.
Trata-se, justamente, de grupos em que a experiência de ascensão social inocula o desejo pelo status quo, daí se tornarem um campo fecundo para a mera reprodução de valores e costumes à moda conservadora.
Avanços do conservadorismo
A construção do imaginário conservador na cidade de São Paulo tem um ponto de partida bastante nítido. A mesma modernização que produz o progresso e o crescimento da metrópole é responsável pela sensação de caos urbano e de claustrofobia social. Nesse cenário ambíguo o senso comum conservador tende a tratar os problemas da cidade como uma questão demográfica. Tudo se passa como se não houvesse falta de planejamento político, ausência de investimentos e carência de equipamentos, mas sim um aumento constante de pessoas, daí a fobia contra o outro e a insegurança sobre si, duas fontes de instabilidade que são minimizadas pela reposição constante dos chamados valores tradicionais.
Essas características se materializam sob: (i) a defesa de uma política de combate à pobreza e de ataque contra a imigração de caráter higienista; (ii) a defesa de uma política de segurança austera; (iii) a defesa dos valores e costumes da tradicional família cristã.
(i) Como já se disse, o trânsito nas ruas, as filas nos hospitais, a falta de vaga em creches e escolas, o abandono dos espaços de lazer e esporte, o avanço da criminalidade e da violência, quase nunca são vistos como resultado da ausência de investimentos públicos, esses problemas são antes tratados como uma questão demográfica causada pela suposta imigração incessante do nordeste e do norte para São Paulo.
O preconceito contra os “nordestinos”, que não deixa de trazer consigo o preconceito contra os negros, logo serve de explicação para o avanço do desemprego, da miséria, da criminalidade e da violência. Em muitos casos essa concepção, justifica a defesa de iniciativas de repatriação de imigrantes e de sumiço (quando não extermínio) de miseráveis, habitantes de favelas e moradores de rua.
Não é trivial que na campanha presidencial de 2010 o candidato tucano paulista tenha insinuado em seus discursos que a candidata petista governaria para o nordeste em detrimento do sudeste; o que suscitou, principalmente nas redes sociais, um movimento marcado pelo preconceito e pelo ódio contra nordestinos e negros.
(ii) Nesse cenário supostamente saturado de pessoas indesejadas a claustrofobia social se degenera em insegurança generalizada, desaguando numa permanente demanda por mais efetivos policiais, mais equipamentos de segurança, mais combate ao crime. A decorrência dessa sensação se apresenta, na esfera privada, com a intensificação do enclausuramento em condomínios fechados protegidos por seguranças particulares; já na esfera pública o que se percebe é, cada vez mais, o envolvimento da polícia arbitrando questões de natureza social e judiciária.
O direito à propriedade torna-se sempre mais importante do que o direito à vida e os direitos humanos são tratados como uma inversão de valores que pune as vítimas e privilegia os bandidos.
Não por acaso, na cidade de São Paulo, a gestão de Gilberto Kassab, tem patrocinado a higienização social e a criminalização da pobreza, através, por exemplo, da perseguição de vendedores ambulantes, da hostilidade contra moradores de rua e do tratamento desumano contra usuários de crack.
(iii) Essa incessante busca pela ordem visa também proteger um dos pilares do conservadorismo moral paulista, a defesa da instituição familiar em seu formato tradicional: sexista e patriarcal. Retroalimentado ora pelo catolicismo beato ora pelo protestantismo radical, o senso comum conservador não admite demandas de liberação dos costumes e da subjetividade, a descriminalização do aborto e da maconha, a emancipação das mulheres e dos jovens, assim como a defesa da liberdade de realização sexual são mais do que tabus.
Daí a repressão, em São Paulo, contra as reivindicações de movimentos juvenis (como no caso da Marcha da Maconha) e contra as demandas do movimento estudantil (como no caso da invasão policial da USP).
Limites do conservadorismo
O conservadorismo tradicional não contava, entretanto, com a presença de um novo elemento rondando suas opiniões “médias”, aprendendo com elas e desconfiando delas: a nova classe média.
Nos últimos anos, a elevação no número de empregos formais, a valorização do salário mínimo e a difusão do crédito ao consumidor criaram condições para a expansão da classe trabalhadora urbana; esse conjunto de novos profissionais integrados ou reintegrados no mercado de trabalho, desfrutando de melhores condições para a elevação da escolaridade, compõe o que tem se convencionado chamar – nem sempre de modo preciso – de nova classe média ou nova classe C.
Trata-se de um grupo cujos valores e votos permanecem em disputa, defendem o empreendedorismo individual, mas apóiam intervenções do Estado e comungam relações de comunidade e vizinhança; defendem a moralidade tradicional, mas rechaçam a repressão extrema e aceitam novas configurações familiares; defendem o livre-funcionamento do mercado, mas reclamam maiores investimentos governamentais em serviços e equipamentos públicos.
Não por acaso, recentemente, um expoente do liberal-conservadorismo paulista, o ex-presidente FHC, escreveu um artigo sugerindo que seu partido deveria apostar não no “povão” ou nos movimentos sociais, mas na nova classe C. De modo análogo, ainda que por outros caminhos, o ex-presidente Lula tem sinalizado a importância de o PT buscar uma maior inserção e uma menor resistência nesse eleitorado da nova classe média.
Seja lá como for, fato é que nas eleições municipais de 2012 um novo ator eleitoral entrará em cena e será disputado: a nova classe média. Como seus valores e opiniões ainda são ambivalentes, as urnas trazem boas possibilidades para o resgate de um projeto democrático-popular que sirva de contraponto e alternativa ao liberal-conservadorismo que se instaurou e se enraizou na cidade.
(*) Professor da Universidade Mackenzie, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), bacharel em Ciências Sociais (USP).
O estado de São Paulo segue sendo governado pelo mesmo partido político há quase duas décadas. O PSDB de Mário Covas, José Serra, Geraldo Alckmin e seus correligionários foi responsável por transformar o estado em um pólo de resistência e difusão do liberal-conservadorismo. Mais ainda, se se considerar os governos que precederam o tucanato – Montoro, Quércia e Fleury – pode-se verificar que desde a redemocratização São Paulo nunca experimentou um projeto de governo alternativo, que fosse capaz de questionar os pilares do liberalismo econômico, do conservadorismo moral e do individualismo supostamente empreendedor.
Na cidade de São Paulo, apesar de duas experiências locais de esquerda, com Luiza Erundina e Marta Suplicy, o quadro é parecido, a predominância tem sido também de governos mais conservadores e orientados à direita do espectro político, daí a existência de fenômenos como o janismo, o malufismo, culminando mais recentemente no condomínio demo-tucano comungado pela dupla Serra-Kassab. Sendo assim, ao longo das últimas décadas o que se observa é, por assim dizer, uma espécie de hegemonia do senso comum conservador paulista.
Diante desse cenário o eterno-retorno de uma pergunta “paulistocêntrica” impõe-se: por que o estado mais rico da federação e a cidade mais moderna do país manifestam nas urnas, sistematicamente, uma opinião política conservadora? A resposta não é simples. No município de São Paulo, por exemplo, há uma clara polarização entre o PSDB, que agrega ao seu redor um eleitorado de maior renda e escolaridade, e o PT que arregimenta a preferência de eleitores, comparativamente, de menor renda e escolaridade.
Na ausência de um bloco claramente dominante, a vitória fica a cargo de quem melhor consegue captar a simpatia e o voto do eleitor de opinião “média”. Esse equilíbrio de forças faz com que a disputa eleitoral convirja para o centro, exatamente onde se encontra um conjunto de pessoas cuja condição econômica é superior ao nível de instrução. Ou seja, onde o sucesso econômico não acompanhou o interesse intelectual, incluindo-se: os novos ricos, pequenos e médios empresários, parte da tradicional classe média além de alguns setores em ascensão das camadas populares.
Trata-se, justamente, de grupos em que a experiência de ascensão social inocula o desejo pelo status quo, daí se tornarem um campo fecundo para a mera reprodução de valores e costumes à moda conservadora.
Avanços do conservadorismo
A construção do imaginário conservador na cidade de São Paulo tem um ponto de partida bastante nítido. A mesma modernização que produz o progresso e o crescimento da metrópole é responsável pela sensação de caos urbano e de claustrofobia social. Nesse cenário ambíguo o senso comum conservador tende a tratar os problemas da cidade como uma questão demográfica. Tudo se passa como se não houvesse falta de planejamento político, ausência de investimentos e carência de equipamentos, mas sim um aumento constante de pessoas, daí a fobia contra o outro e a insegurança sobre si, duas fontes de instabilidade que são minimizadas pela reposição constante dos chamados valores tradicionais.
Essas características se materializam sob: (i) a defesa de uma política de combate à pobreza e de ataque contra a imigração de caráter higienista; (ii) a defesa de uma política de segurança austera; (iii) a defesa dos valores e costumes da tradicional família cristã.
(i) Como já se disse, o trânsito nas ruas, as filas nos hospitais, a falta de vaga em creches e escolas, o abandono dos espaços de lazer e esporte, o avanço da criminalidade e da violência, quase nunca são vistos como resultado da ausência de investimentos públicos, esses problemas são antes tratados como uma questão demográfica causada pela suposta imigração incessante do nordeste e do norte para São Paulo.
O preconceito contra os “nordestinos”, que não deixa de trazer consigo o preconceito contra os negros, logo serve de explicação para o avanço do desemprego, da miséria, da criminalidade e da violência. Em muitos casos essa concepção, justifica a defesa de iniciativas de repatriação de imigrantes e de sumiço (quando não extermínio) de miseráveis, habitantes de favelas e moradores de rua.
Não é trivial que na campanha presidencial de 2010 o candidato tucano paulista tenha insinuado em seus discursos que a candidata petista governaria para o nordeste em detrimento do sudeste; o que suscitou, principalmente nas redes sociais, um movimento marcado pelo preconceito e pelo ódio contra nordestinos e negros.
(ii) Nesse cenário supostamente saturado de pessoas indesejadas a claustrofobia social se degenera em insegurança generalizada, desaguando numa permanente demanda por mais efetivos policiais, mais equipamentos de segurança, mais combate ao crime. A decorrência dessa sensação se apresenta, na esfera privada, com a intensificação do enclausuramento em condomínios fechados protegidos por seguranças particulares; já na esfera pública o que se percebe é, cada vez mais, o envolvimento da polícia arbitrando questões de natureza social e judiciária.
O direito à propriedade torna-se sempre mais importante do que o direito à vida e os direitos humanos são tratados como uma inversão de valores que pune as vítimas e privilegia os bandidos.
Não por acaso, na cidade de São Paulo, a gestão de Gilberto Kassab, tem patrocinado a higienização social e a criminalização da pobreza, através, por exemplo, da perseguição de vendedores ambulantes, da hostilidade contra moradores de rua e do tratamento desumano contra usuários de crack.
(iii) Essa incessante busca pela ordem visa também proteger um dos pilares do conservadorismo moral paulista, a defesa da instituição familiar em seu formato tradicional: sexista e patriarcal. Retroalimentado ora pelo catolicismo beato ora pelo protestantismo radical, o senso comum conservador não admite demandas de liberação dos costumes e da subjetividade, a descriminalização do aborto e da maconha, a emancipação das mulheres e dos jovens, assim como a defesa da liberdade de realização sexual são mais do que tabus.
Daí a repressão, em São Paulo, contra as reivindicações de movimentos juvenis (como no caso da Marcha da Maconha) e contra as demandas do movimento estudantil (como no caso da invasão policial da USP).
Limites do conservadorismo
O conservadorismo tradicional não contava, entretanto, com a presença de um novo elemento rondando suas opiniões “médias”, aprendendo com elas e desconfiando delas: a nova classe média.
Nos últimos anos, a elevação no número de empregos formais, a valorização do salário mínimo e a difusão do crédito ao consumidor criaram condições para a expansão da classe trabalhadora urbana; esse conjunto de novos profissionais integrados ou reintegrados no mercado de trabalho, desfrutando de melhores condições para a elevação da escolaridade, compõe o que tem se convencionado chamar – nem sempre de modo preciso – de nova classe média ou nova classe C.
Trata-se de um grupo cujos valores e votos permanecem em disputa, defendem o empreendedorismo individual, mas apóiam intervenções do Estado e comungam relações de comunidade e vizinhança; defendem a moralidade tradicional, mas rechaçam a repressão extrema e aceitam novas configurações familiares; defendem o livre-funcionamento do mercado, mas reclamam maiores investimentos governamentais em serviços e equipamentos públicos.
Não por acaso, recentemente, um expoente do liberal-conservadorismo paulista, o ex-presidente FHC, escreveu um artigo sugerindo que seu partido deveria apostar não no “povão” ou nos movimentos sociais, mas na nova classe C. De modo análogo, ainda que por outros caminhos, o ex-presidente Lula tem sinalizado a importância de o PT buscar uma maior inserção e uma menor resistência nesse eleitorado da nova classe média.
Seja lá como for, fato é que nas eleições municipais de 2012 um novo ator eleitoral entrará em cena e será disputado: a nova classe média. Como seus valores e opiniões ainda são ambivalentes, as urnas trazem boas possibilidades para o resgate de um projeto democrático-popular que sirva de contraponto e alternativa ao liberal-conservadorismo que se instaurou e se enraizou na cidade.
(*) Professor da Universidade Mackenzie, doutorando em Desenvolvimento Econômico (UNICAMP), bacharel em Ciências Sociais (USP).
FONTE: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=19364&boletim_id=1103&componente_id=17504
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